Os limites do patriotismo construídos pela oportunidade
“Entre a miséria e a misericórdia”
Acredito que a razão que me impele a interagir com o leitor por essa via e sobre tal tema, seja a mesma que vários outros milhões de angolanos distribuídos entre Angola e a diáspora são também possuídos, ou qualquer ser vivo, desde que imbuído por algum senso de humanidade e respeito pela vida.
Possuídos por incomensurável fadiga e repulsa, ódio e vergonha, sensações a nós impostas pelo desgoverno exercido no país, caracterizado por uma atípica e monstruosa legalidade ditatorial, própria da disciplina, ética e moral militar que o país respira, também pelo o assassinato da isonomia política e popular e, que partindo da sua própria fé, dos seus mitos, da sua estória, televisão e demais mídias, o partido/Governo denominado MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), dirigido por Eduardo dos Santos, um dos maiores ditadores e comerciantes do mundo, quem concentra a riqueza do país à microscópica camada da população angolana, não se permitindo conviver nas diversidade e adversidade humanas, criminaliza e condena a opinião e a consciência do outro, anulando qualquer possibilidade de o indivíduo exercitar o seu intelecto em liberdade de direito. É assim, que costumeiramente em Angola, a meritocracia bem como a comprovação da competência profissional a nível das forças militares e polícias ou das superstruturas, dá-se pela excelência operacional na excussão de pessoas, protagonizadas por experientes criminosos, afim de satisfazer os instintos selvagens daqueles que os ordenam, denominados nos vícios jornalísticos e populares como líderes.
O paradoxo “Liberdade” em Angola (e desconheço em que campo semântico se entende a palavra pelos maus gestores angolanos), tem a cada instante estendido a linha que demarca os limites entre a “miséria e a misericórdia” estabelecidos aos homens e mulheres dessa terra, sendo os miseráveis os esquecidos da terra e os que pensam por conta própria e, os dignos de misericórdia, os mudos, os inconscientes ou esquecidos na terra e os cordatos.
Os recentes desaparecimentos físicos dos activistas Cassule e Kamulingue é só um dos vários exemplos “mortos” dos que não mereceram misericórdia nesse país e, aqueles que um dia foram aconselhados a se cultivarem por via do conhecimento, com a proposta de serem o futuro da Nação, hoje no futuro, por usufruírem da liberdade humana e constitucional, são reconhecidos como frustrados, viraram alvos e presas dos próprios aconselhadores e moralistas, sendo barbaramente impedidos de viver, pelo que não nos trai a consciência, se entendermos que até a presença desse governo, o futuro em Angola será vermelho para os libertários e verde para aqueles proselitistas, fanáticos pelos seus interesses e por eles mesmos, os que foram educados a não se preocuparem com o país nem com o próximo, por isso humilham-se e subordinam-se voluntariamente aos estrangeiros, os criados do status social, sem consciência histórica nem consideração pelo seu povo , os que priorizarem os medos, os objectos e a tecnologia em lugar da autonomia do país e a LIBERDADE do angolano.
Os que possuírem o espírito de rebanho, como chamou o pensador alemão Nietzsche em “Para além do bom e do mau” ao alertar o filósofo para não servir jamais o Estado. Que a terra vos seja levíssima irmãos, fomos todos enganados pela perfeita inocência de criança , razão pela qual a luta seguirá avante sobe pena de com a mesma habilidade, enganarem os nossos mais novos tal como continuam a fazer.
Continuaremos gritando para os quatro cantos, para quando a Paz em Angola? Para quando o fim dessa guerra silenciosa e clandestina aos olhares fáceis e precificados? Tal como continuaremos buscando a liberdade plena sequestrada nessa terra.
Sendo pouco das coisas que acredito na cena da vida, acredito que Frantz Fanon em o seu OS CONDENADOS DA TERRA, ao se referir ao continente negro, jamais conseguiria imaginar que em Angola os condenados são os que pensam com as próprias cabeças e não os que importam cabeças para pensarem por eles ou os delinquentes e psicopatas corporativos, os maníacos da corte, o executivo executor de vidas humanas , verdadeiros mercenários que usam a corrupção, a inconstitucionalidade, a intimidação, a violência, o sangue e a vida dos opositores, como água e oxigénio para sobreviverem politicamente. Eis que o presente governo é a representação sublime e omnisciente da cultura e a instituição da força e não da capacidade e responsabilidade social e humana.
Do lado de Lá, os diaspóricos vivem a “liberdade” em países alheios, onde lhes é permitido pensar, interrogar e contrariar os regimes alheios como alheios ou emprestados que são nesses países e, vivem uma liberdade emprestada, mesmo as vezes na ilegalidade.
Não obstante nessas diásporas, temem ser eles mesmos, portanto não se permitem senão em espaços domésticos ou semi-abertos onde se degusta o debate ideológico em tons românticos e eufémicos, interrogar e ou contrariar os homens e agora mulheres da sua terra, por tão distante que estejam.
Daí o tema de um trabalho apresentado por mim e outros estudantes africanos na semana XIV D’África em Salvador da Bahia, quando se comemorava o dia da consciência negra: OS LIMITES DO PATRIOSTISMO CONSTRUÍDOS PELA OPORTUNIDADE que, me foi sugerido pelo exímio historiador brasileiro Jaime Sodré, é agora transformado no presente artigo.
Os limites do patriotismo construídos pela oportunidade, ou até que ponto nos afirmaremos como patriotas, se ou quando encontrarmos as melhores oportunidades humanas, profissionais, de amor e respeito, fora da nossa pátria, e se a semiótica política apresentada no hino e na bandeira nacional são os signos ou valores mais importantes para o angolano, em relação ao valor humano do cidadão na sua própria terra; ou ainda como me questionou o mestre Sodré….Antes de qualquer coisa, Para quê que serve o patriotismo?
Segundo me parece o “afrocidentalismo” incorporado pelos africanos residentes na Europa e outros na América, não os motiva voltar a conviver com seus conterrâneos opressores, vangloriam-se com os luxos glaciais, o que lhes habituou chamar os seus países com nomes obscenos e não os homens que gerem seus países, nem mesmo no caso de Angola, cujos anúncios político-publicitários à respeito do crescimento económico, não param de desfilar nas mídias internacionais, em detrimento do crescimento proporcional e geométrico do genocídio ou da carnificina, ensuma da ditadura governamental e militar com a qual o angolano convive no dia-a-dia.
Não obstante a bem executada política de internacionalização praticada por esse governo, com o intuito de desincentivar o retorno dos intelectuais angolanos, com sua praxis fratricida, os latrocínios legais e abafados pelas mídias e tribunais, a anulação da liberdade de expressão e de imprensa, para além da regular falta de água, energia e saneamento básico há mais de 30 e tantos anos, tem se visto em Angola uma força incomum de um povo amordaçado historicamente, o que Etienne de La Boetie explicaria o porquê como entendeu e tratou por Servidão voluntária.
“É verdade que no início serve-se obrigado e vencido pela força; mas os que vêm depois servem sem pesar e fazem de bom grado o que seus antecessores haviam feito por imposição. Desse modo os homens nascidos sob o jugo, mais tarde educados e criados na servidão, sem olhar mais longe, contentam-se em viver como nasceram; e como não pensam ter outro bem nem outro direito que o que encontraram, consideram natural a condição de seu nascimento”.
Uma vez intelectuais ou libertários distantes e amedrontados, uma vez abertas as pernas de Angola para o mundo comprar sua calidez. Tal política, tem sido exibida no discurso que atesta que a falta de mão de obra qualificada é a razão pela qual se importa a massa estrangeira para o país e subordinem os angolanos, comportando na maioria dos casos, subordinações e discriminações pautadas na raça dos homens, com fundamentos preconceituosos , racistas e auto discriminatórios. É essa mesma política que mediocriza a educação nacional para justificar as manipulações e anormalidades políticas e sociais do país, banindo grosso modo, os valores e a consciência colectiva angolana, ao ponto de naturalizar-se não a morte mas a matança humana. É a política do desincentivo do autóctone face ao incentivo do estrangeiro, pois que o estrangeiro por mais libertário que seja, não fará o trabalho de casa dos angolanos, como um músico de reggae cantando, dizia: ninguém irá sorrir nem chorar por nós.
Mas percebamos que, o tema não tem reciprocidade interpretativa, pois mesmo encontrando oportunidades de realização profissional em Angola, os estrangeiros não a trocam pelas suas pátrias, tal como muitos angolanos o fazem lá fora. Eles continuam a amar suas pátrias porque lá, mesmo não tendo oportunidade de emprego, ao menos têm a oportunidade de serem livres, o mais alto nível do direito humano e da vida. Razão pela qual, encontram-se aqui, por aventuras e confirmações de enriquecimento, afora os tantos outros imigrantes africanos que saboreiam a mesma amargura nos demais pólos ditatoriais de África.
Para terminar este pequeno artigo, gostaria de questionar sobre como edificar um país democrático com cidadãos traumatizados e repletos de medos e más lembranças, tal como o próprio mundo se lembra de Angola a partir das suas guerras, presidência vitalícia, não mais a Njinga Mbande, mas Isabel dos Santos, mulher mais rica de África e, pelas matérias primas da guerra do país: Petróleo, diamante e o empossamento da lei do país por indivíduos deusificados na estória dos seus partidos, onde se arquitectou a mitologia e toda maledicência residente no credo popular angolano, inclusive a respeito de nós mesmos, onde nos cabe constatar que o principal problema de Angola são os seus homens, quais precisam ser urgentemente nocauteados pela consciência popular.
Por Mário Lunga
O texto vem sim com conteúdo muito forte e acima de tudo inspirador, e digo com todo ar no pulmão – obrigado Mário Lunga por esta sua análise, muito coerente e recheada de verdades. Precisamos perceber sim que governo somos nós e não o MPLA e mesmo antes que se promulguem os direitos civis/constitucionais já herdamos desde a criação da humanidade.
Gostei muito de ler. Li Frantz Fanon quando tinha os meus 17 anos, frequentava então a Casa dos Estudantes do Império (é verdade, era assim que se chamava e foi um viveiro de muitos combatentes pela libertação) e nunca esqueci. Daqui, de uma Europa também a viver um mau momento – e, com os meus 71, já não viverei melhor – acompanho com mágoa o que se passa no meu continente. Aos jovens peço que façam como o autor deste artigo: estudem, cultivem-se, construam um país novo!