Tigres de Papel…
Há mais de três anos que acontecem manifestações abortadas em Luanda, desde o fatídico dia 7 de Março de 2011.
Há mais de três anos que a polícia e as forças de segurança do estado abortam ilegalmente estas manifestações, muitas vezes antes mesmo delas iniciarem.
Que os jovens manifestantes seriam presos e espancados ontem, já não é novidade. Chegamos ao ponto como sociedade que tais prisões e espancamentos extra-judiciais são normais. “Business as usual”, como diriam os ingleses.
É que entramos num ciclo perfeitamente previsível:
- Jovens convocam manifestação seguindo todos os tramites legais com base num direito constitucionalmente consagrado;
- Governo Provincial e Polícia Nacional ignoram a convocatória;
- Serviços de Inteligência do Estado iniciam campanha para descredibilizar promotores da manifestação e semear o medo junto da população,
- Policia anti-motim e outros serviços de segurança inviabilizam acesso ao Largo da Independência, prendem e agridem fisicamente os manifestantes e abortam a manifestação.
Desta vez nem a Polícia nem o Governo Provincial ou Central se deram ao luxo de explicar as suas acções. A população já está habituada. E ainda bem: vemos com os nossos próprios olhos que o céu é azul e depois no Telejornal dizem-nos que o céu é verde. Pelo menos desta vez pouparam-nos com os insultos à nossa inteligência.
Como sempre acontece, as notícias sobre a falta de liberdade em Angola correm o mundo logo a seguir a estes acontecimentos e este episódio não foi excepção. Bloomberg e DW foram dos primeiros a noticiar o caso.
Gastam-se mais umas dezenas de milhões de dólares do erário público com lobbies internacionais e comissões de imagem do executivo e abafam-se estes casos.
Que as autoridades são extremamente míopes com estas reacções musculadas já é sabido. Mas mais interessante ainda é analisar a actuação dos jovens manifestantes.
Muitas das vezes, são sempre as mesmas caras que aparecem. As mesmas pessoas que já foram espancadas em manifestações passadas e já sofreram encarcerações, invasões ilegais de domicílio, tortura, fome, e intimidações diversas, entre outras barbaridades, escusam-se em desistir.
Até Nito Alves, um puto franzino de 18 anos que foi ilegalmente encarcerado quando ainda era menor de idade e submetido a tratos deshumanos é dos primeiros na linha da frente. Ou seja, o regime, com os seus carros blindados, tanques de água, cães, polícias e prisões já nem sequer intimida uma criança.
Chegamos ao ponto em que o governo mobiliza forças, fecha o acesso ao largo mais importante da cidade e cria uma espécie de estado de sítio por causa de um bando de 20, 30 jovens nos seus 20, 25 anos. É como se a selecção sub-20 de Angola, essa que perdeu contra o Lesoto para o acesso ao CAN, fizesse parar uma cidade por algumas horas para simplesmente gritas algumas palavras de ordem no Largo.
Ou seja, a juventude está a perder o medo.
E cada vez que as autoridades actuam desta forma, mais os jovens vão perdendo o medo.
Porque já viram que estão numa situação win-win. Se o governo os ignora e a manifestação segue em frente, têm um palco onde podem fazer ouvir as suas reivindicações. Se não, causam notícias na imprensa nacional e internacional e somam mais pontos junto a sociedade com a sua bravura. E vão destapando os podres do regime.
A imagem de homens grandes e fortemente armados apoiados por um belicoso aparato policial para prenderem uma equipa juvenil de futebol é ridícula. E hilariante, não fossem as sessões de tortura com gás lacrimogénio e pimenta e os espancamentos a homens de 60 anos.
Tigres de papel…
-Cláudio Silva